domingo, 2 de março de 2008

Prevenir é remediar



A leitura estava tão boa que os mestres já não pareciam mais tão mestres. Assim foi que as interferências constantes na aula tele-transmitida proporcionaram o ensejo para a caminhada vespertina sob a chuva inconstante, conforme requeria o pendor dionísico para o qual subitamente vi-me direcionado.

É uma quinta-feira, véspera de feriado, e em meu íntimo reside a certeza de que mais uma gota de semântica, sintaxe ou morfologia acarretará em overdose, falência múltipla de órgãos, cólicas explosivas; o derradeiro colapso enfim, que um dia nos fará a todos cair duros, não importando onde ou como nos encontremos.

Não se trata aqui das fúteis preocupações do típico hipersensível cidadão urbano do século XXI, cujo excesso de estímulo sensorial tornou incapaz de qualquer esforço de aprendizagem. É que ontem à noite dei uma olhada por conta própria num desses manuais sobre composição de textos, e todos sabem que a combinação deste tipo de leitura e uma tradicional aula de português é ainda mais fatal do que mentos com coca-cola.

Maconha, álcool e cocaína no organismo do motorista apressado na BR garoenta. Um quase isso. Ou, para quem aprecia emoções realmente fortes, cascola, anti-inflamatório intestinal e uma garrafa de vodka em cima de uma barra-forte sem freio, calçado de havaianas na descidão da Barão do Amazonas.

Porque todos reconhecem os perigos particulares e se comprazem advertindo-se mutuamente sobre tais e quais, acomodando-se no entanto ante a inversão de valores suprema: priorizar a forma sobre o conteúdo.

Armada apenas de técnica, toda multidão acrítica - por raivosa que seja - não alcançará nunca estabelecer sua cabeça de ponte rumo à eternidade. Isto porque é necessário ter algo a dizer, conforme nos legou o aclamado pederasta.

Originalidade e criatividade ainda é indispensável, ao contrário do cem por cento de acerto na acentuação, mesmo que o procurem desmentir certos professores e manuais.

Pois se o sucesso constitui-se de noventa e nove por cento de esforço e persistência, é no um por cento de talento que se encontra a diferença entre o genioso e o medíocre.

Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

A culpa do frango

O frango nasceu e cresceu normalmente, em uma pequena granja do interior do estado, onde teve uma infância e adolescência comum e tranqüila, sempre rodeado pelos seus.

Quando atingiu a idade correta, de bom grado aceitou cumprir seu papel naquilo que imaginava ser sua natural contribuição para com a manutenção das engrenagens que sustentam uma sociedade humana justa e igualitária.

Talvez ele tenha sido desde sempre um “sangue ruim”, portador de problema congênito indetectado. Ou talvez o rápido esquartejamento a que tantos se submetem sem mais, o tenha despertado para o desejo de vingança, amadurecido após longo tempo em uma vitrine climatizada, exposto aos olhares de tal sociedade, que apesar do alardeado consumismo, o rejeitava.

De concreto, quatro cuecas e uma calça de moletom jazendo de molho em baldes e tanques, vítimas de uma fúria oriunda das próprias entranhas do universo, além de dois heróicos rolos de papel higiênico, que sem pestanejar doaram suas existências quando acionados na tentativa de conter a tragédia.


Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves